Fernando Dias Simões

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Sobre o futuro da Arbitragem em Macau

O Jornal Tribuna de Macau publica hoje uma importante peça  informativa sobre o estado da arbitragem em Macau, nomeadamente sobre o funcionamento do Centro de Arbitragem do Centro de Comércio Mundial de Macau. De acordo com Vítor Ng, presidente do Centro, esta instituição tratou apenas dois casos (e apenas um teve sucesso…), isto apesar de já contar treze anos de existência. Nas suas palavras, “infelizmente o nosso funcionamento não tem sido fácil, porque em matéria de arbitragem e mediação precisamos de estar coordenados com a Administração. É com pena que constato que, especialmente antes da criação da RAEM, não foi dada muita atenção à questão da coordenação deste Centro de Arbitragem com o desenvolvimento da arbitragem e mediação”, confessou.
Florinda Chan, a Secretária para a Administração e Justiça, defendeu que a RAEM possui condições para resolver conflitos com recurso à arbitragem no território. Macau “é um dos quatro lugares da Grande China e tem como tradição a harmonia e tolerância. Portanto, verificam-se certas condições básicas na sociedade de Macau para desenvolver a arbitragem e a conciliação. O Governo tem dedicado esforços nesse sentido e promovido o respectivo trabalho”, referiu no seu discurso. Florinda Chan destacou ainda o factor cooperação. “Com os contactos crescentes das quatro regiões inseridas nas duas margens do Estreito de Taiwan e o reforço das relações de cooperação económica, a resolução eficiente dos conflitos relacionados com as matérias cíveis e comerciais constitui um tema de crescente atenção no sector de arbitragem”.

Mais informação disponível no site da Rádio Macau.

Que resposta deve ser dada perante esta gritante escassez de processos entrados e de processos findos? De acordo com Vítor Ng, “deve ser fomentada uma maior coordenação com a Administração da RAEM”. Já no entender de Wei Dan, membro do Centro e docente de Direito na Universidade de Macau , deve existir um “maior investimento do Governo” e a possibilidade de revisão da Lei base do Centro para “dar mais prestígio à autoridade da arbitragem”. Ainda sobre esta matéria, Wei Dan acrescentou: “em Macau, a arbitragem não é um meio muito popular de resolver os conflitos. Embora tenhamos actualmente menos procura, espero que num futuro breve possamos responder melhor às necessidades da sociedade”.

Wei Dan avançou com algumas propostas que nos parecem razoáveis. No seu entender, o Executivo deveria depositar mais recursos financeiros nas questões da arbitragem, com o objectivo da divulgação e criação de um grupo de trabalho. O investimento devia acontecer “no sentido de divulgar mais, fazer cursos, convidar peritos para fazer palestras junto da população”. “Macau tem recursos bilingues na comunidade jurídica, e nesse sentido o Governo pode pensar como integrar recursos actualmente distribuídos e criar uma equipa de especialistas que se foque mais na arbitragem neste sentido”. Wei Dan acredita ainda que o maior recurso às decisões por arbitragem pode “aliviar” o trabalho dos tribunais. “O Governo tem gasto imensos recursos financeiros todos os anos para a área judicial. A arbitragem pode ser utilizada para aliviar os tribunais no sentido de promover uma harmonia da sociedade, com menos conflitos”, frisou. Wei Dan acredita que uma revisão do diploma (que já data de 1996) podia aproximar o Centro de Arbitragem à população. “Embora tenhamos uma lei relativamente boa, com instituições consagradas, a minha sugestão passa por uma revisão ou melhoramento no sentido de pôr a população a colocar mais confiança e coragem na arbitragem”. Uma revisão da lei seria uma possibilidade apenas “no sentido de dar mais prestígio à autoridade da arbitragem”, defendeu.

O aumento do recurso a meios alternativos de resolução de litígios não se consegue com recurso a medidas esporádicas ou isoladas. Não basta criar diplomas que facilitem a adopção de arbitragem, da mediação ou da conciliação, promover campanhas publicitárias ou dotar os Centros de meios financeiros adequados. É necessário um esforço concertado do legislador, das entidades públicas, dos académicos mas também da comunidade civil. O “movimento ADR” (alternative dispute resolution), enquanto fenómeno social, económico e jurídico não conta mais de meio século. O paradigma da resolução judicial de litígios, centralizada em tribunais estaduais e personalizada na figura do juiz, não se altera à força de lei, implicando um esforço de consciencialização para a existência de meios diversos para a resolução dos conflitos e de divulgação dos seus benefícios e vantagens. A melhor publicidade que se pode fazer à ADR resulta do conhecimento, pelos seus destinatários (os cidadãos), da celeridade, simplicidade e proximidade que proporciona.

Numa época em que o sistema judicial tradicional atravessa uma crise de confiança, de excesso de procura e de carência de meios, a resolução alternativa de litígios continua a trilhar o seu caminho, dando passos por vezes tímidos mas que devem ser certeiros. A arbitragem de litígios de consumo, especialmente vocacionada para resolver conflitos que envolvem valores muito baixos (bagatelas jurídicas) mas que amiúde dizem muito às pessoas, pode ser um excelente laboratório que fomente, pouco a pouco, a divulgação e a confiança neste novo modo de dirimir os litígios. Macau pode colher os frutos de diversas experiências históricas bem sucedidas, e aprender com as que correram menos bem. Não existem modelos perfeitos, que se possam importar “por encomenda” e que sirvam na perfeição os interesses e as características únicas da RAEM. Como é evidente, a questão do bilinguismo não pode ser apartada da discussão. O sistema jurídico vigente em Macau, herdeiro da tradição da Civil Law, deverá ser devidamente considerado. Macau pretende afirmar-se como plataforma económica privilegiada, e uma justiça célere é um pressuposto indispensável. A ponderação destes diferentes ingredientes pode não ser tarefa fácil (e não será, certamente), mas os resultados que se desejam devem sempre guiar-nos ao longo da jornada: uma justiça mais rápida, mas simples, mais fiável, mais justa.


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