Fernando Dias Simões

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As novas fronteiras da Saúde Pública (III)

Coluna de opinião “Entre Aspas”, no “Ponto Final” de 28 de Setembro, página 3.

Um pouco por todo o mundo os governos estão hoje atentos à prevenção da obesidade, especialmente entre os mais jovens. A indústria alimentar invadiu as escolas com os seus produtos e publicidade, contribuindo para aquilo que os especialistas descrevem como um “ambiente tóxico”: a maioria das escolas possui máquinas de venda automática recheadas com chocolates e refrigerantes. Para tentar diminuir o problema, várias jurisdições têm restringido a venda de determinados produtos e promovido a distribuição de fruta gratuita nas escolas. Estas políticas parecem inquestionáveis pois têm a ver com a saúde das crianças, que estão a estabelecer hábitos de vida. No entanto, alguns acreditam que a dieta e a actividade física são da responsabilidade dos pais e que as políticas escolares podem ser ineficazes se os hábitos alimentares das crianças não mudarem em casa.

Uma das propostas mais controversas neste âmbito é a tributação de alimentos. Estas são basicamente medidas fiscais destinadas a alterar os preços relativos dos alimentos ou ingredientes. Existem duas abordagens diferentes. Primeiro, a redução de impostos sobre produtos ou ingredientes saudáveis (por exemplo, uma redução do IVA na fruta ou vegetais). Uma medida diametralmente oposta é a imposição de impostos sobre alimentos ou ingredientes específicos, por exemplo, comida rápida ou açúcar. Popularmente conhecidas como “impostos de gordura”, tais medidas seriam um desincentivo para a compra de produtos pouco saudáveis. A tributação tem sido sugerida como um meio de diminuir a ingestão de determinados alimentos, diminuindo assim os custos dos cuidados de saúde, bem como um meio de gerar receitas que os governos podem utilizar em programas que promovam um estilo de vida saudável.

Os defensores da saúde pública acreditam que os custos dos alimentos estão desequilibrados, com os alimentos saudáveis a ​​custar mais do que os outros. A criação de “impostos de gordura” é vista como uma resposta a uma indústria alimentar que promove alimentos pouco saudáveis ​​como os mais baratos, mais saborosos e mais fáceis de aceder. Vários sectores manifestaram firme oposição a este tipo de medidas, argumentando que a maioria dos consumidores não está disposta a pagar mais por alguns dos seus alimentos favoritos. Por outro lado, tais impostos são vistos como uma forma de discriminação contra pessoas com baixos rendimentos. Com efeito, a capacidade económica e as necessidades nutricionais variam entre diferentes grupos de consumidores, de modo que o uso de um instrumento fiscal pode levar a ​​efeitos distributivos indesejáveis. Além disso, alguns argumentam que os impostos são meramente uma fonte de receita, questionando como se decide quais os alimentos que devem ser tributados ou subsidiados e porquê.

É frequente o recurso, neste âmbito, ao mesmo argumentário que foi utilizado na luta contra o tabaco. Está demonstrado que o aumento dos impostos sobre o tabaco levou a uma redução no consumo. No entanto, a comida não é como o tabaco, que nunca é benéfico. As pessoas precisam de comida para sobreviver, e qualquer alimento pode ser aceitável quando ingerido com moderação. Para além disso, não existe nenhuma evidência directa de que os impostos sobre os alimentos afectem as taxas de obesidade. O factor decisivo passa por saber se os indivíduos realmente absorvem o custo da sua própria doença. Justificar a intervenção governamental com os custos de saúde pública é um argumento insuficiente e perigoso. Este tipo de instrumento legal deve ser usado com cuidado, com base não só em razões financeiras mas também numa visão abrangente capaz de justificar os impostos mais pesados. Em meu entender, a tributação deverá ser uma das últimas medidas a serem aplicadas. Os cidadãos são especialmente sensíveis ao aumento de impostos, e é particularmente difícil convencê-los de que eles devem pagar pelas suas escolhas gastronómicas. O que comemos e bebemos, e em que quantidade, ainda é visto como um espaço de privacidade e liberdade. Qualquer intervenção nesta matéria tem de ser especialmente justificada.


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